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A extinção das Amélias da bola
Nos dias de hoje, não há uma só fêmea na face da Terra que não saiba o que é voleio, sem-pulo, drible da vaca...
AMIGO TORCEDOR , amigo secador, não se trata de sentimento vulgar e machista, embora o temperamento latino sempre nos ponha em situações desse naipe, mas ando com saudade descomunal de uma mulher que não entende patavinas de futebol. Daquelas que perguntavam para que lado a seleção estava atacando, daquelas que, uma vez no estádio, pediam para ser apresentadas à bola, muito prazer, encantada, fulana de tal, às ordens.
Daquelas que comentavam só sobre as pernas do Leão nos anos 70 e se engraçavam pelo Raí no São Paulo, daquelas que mui antigamente amavam o Heleno de Freitas, o mais vaidoso dos craques. Daquelas que não estavam nem aí para a infantilidade ludopédica do macho. Sim, as mulheres bem normais de outrora.
Sinto muito, amigo, é mais fácil cessar o conflito no Oriente do que achar uma destas crias da nossa costela. É mais fácil d. Sebastião, o encoberto, volver da batalha de Alcácer-Quibir, no reino do vai-sem-volta. A mais desligada das fêmeas, amigo, é capaz de discorrer hoje sobre o esquema 3-5-2 como um João Saldanha, um Tostão, um PVC, um bamba. Nem mesmo a lei de impedimento, que era o grande enigma -maior até do que a falta do telefonema masculino do dia seguinte-, é mais problema. A ponto de o amigo Pereira, velho porco-chauvinista do Brooklin Novo, apelidar a sua amada de Estelinha Tira-Teima. Foi-se o tempo em que as moças, Amélias ludopédicas, adotavam o time de seus homens como o do coração. Agora não tem mais disso, viraram todas umas Simones de Beauvoirs, inflamadíssimas nas defesas das próprias cores. Outro dia ouvi de uma amiga até paráfrase da citada escritora: "Não se nasce torcedora, torna-se torcedora". Calei-me na hora, no que ela aproveitou para se despedir com imitação exemplar do Avallone: "Não se nasce torcedora, torna-se torcedora. Exclamação!". Fêmea culta são outros quinhentos. A amiga estava parafraseando, como me socorre aqui o poderoso São Google, uma frase da mulher do mala do Jean-Paul Sartre: "Não se nasce mulher, torna-se mulher".
Outras ninfas, mais safas, adotam posição submissa por esperteza. Sabem que, quando o time dele triunfa, o mancebo fica 26,7% mais testosteronizado, ou seja, mais devoto aos bambuais do "kama sutra". Sério. Coisa de uma dessas pesquisadoras americanas malucas, que acompanhou, na Copa de 94, grupo de marmanjos antes e depois das pelejas.
Nesse aspecto, amigo, imagina o que não passaram as desalmadas minas dos corintianos no final do ano passado! Seu Chico da Cuíca, o único e solitário torcedor do Íbis, o pior do mundo, nunca em vida aceitaria a tese gringa. "Vade retro com essa marmota!", diria no seu ponto de táxi no Recife. "Comigo não tem esmorecimento para estas artes."
Estou condenado à nostalgia, essa doença infantil dos quarentões, não há uma só fêmea na face da Terra que não saiba o que é sem-pulo, drible da vaca... Para completar a desgraça, a baiana Clara Albuquerque, bela colega de ofício, lançou livro estupendo sobre o riscado: "A linha da bola -tudo o que as mulheres precisam saber sobre futebol e os homens nunca souberam explicar!". Parabéns, meninas, a febre nostálgica que estava aqui acabou de ir embora.
Texto: Xico Sá/Folha de S.Paulo - 11.02.2008